O Rio que Parou de Respirar: Pescadores da Rua da Palha em Santa Luzia Denunciam a Poluição dos Rios Piauí e Piauitinga
Pescadores e marisqueiras da Comunidade Quilombola Rua da Palha denunciam a poluição dos rios Piauí e Piauitinga, que ameaça a sobrevivência de suas tradições e meios de vida.
Jornalista, Intelectual Público, Pesquisador, Comunicador, Fotógrafo, Professor, Palestrante, Designer e Busólogo.
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Em Santa Luzia do Itanhy, no sul de Sergipe, a Comunidade Quilombola Rua da Palha enfrenta o colapso ambiental que ameaça a pesca artesanal e a herança cultural das marisqueiras — mulheres que há gerações sustentam famílias e tradições à beira do mangue.
No sul do estado de Sergipe, a cerca de 70 quilômetros de Aracaju, encontra-se a Comunidade Quilombola Rua da Palha, parte do Território Quilombola Luziense, reconhecido desde 2008 e formado por oito comunidades tradicionais, entre elas Crasto, Pedra Furada e Bode. Localizada às margens dos rios Piauí e Piauitinga, a Rua da Palha abriga cerca de mil pescadores e marisqueiras que vivem da pesca artesanal e do extrativismo de crustáceos — práticas transmitidas por gerações, guiadas pelos ritmos da maré, pelos cânticos femininos e pelos saberes do mangue.
Essas mulheres e homens compõem um dos núcleos mais antigos de resistência cultural do estado. O território, conhecido por suas cantadoras de aratu, preserva uma ritualística única: mulheres que mergulham na lama até os joelhos, entoando cânticos tradicionais para atrair os crustáceos.
Mas o que antes era símbolo de fartura e identidade, hoje é sinônimo de desespero.
O rio que adoeceu
Após registrar denúncias em Porto D’Areia, em Estância, o Vozes365 junto com o seguiu até Rua da Palha para apurar uma nova denúncia — agora sobre a poluição que vem matando peixes, siris, aratus e ostras.
Ao chegar à comunidade, a equipe ouviu relatos uníssonos: as águas estão impróprias para a pesca, e nenhuma autoridade apareceu com proposta de solução.
“A água aqui onde nós mora mesmo não pesca mais. Os siris tão saindo pra fora, morrendo na lama. O aratu sumiu, o peixe morreu. O povo nem quer mais o nosso marisco.”
A fala de uma moradora resume o sentimento coletivo. O rio que por décadas alimentou famílias agora devolve morte, odor e incerteza.
“A gente só quer poder trabalhar”
O pescador Luizão, com 35 anos de ofício, conta que a renda despencou:
“Antes dava pra tirar 400 reais por semana. Hoje, trabalha cinco dias pra ganhar 100. A gente vive só da pesca, não tem carteira, não tem emprego. Tá todo mundo afetado.”
O veterano Nininho, nascido e criado no mangue, reforça:
“Tenho 60 anos de pesca. Nunca vi uma coisa dessas. O Ibama veio, filmou peixe morto, e nada aconteceu. O pescador é pobre, e quem é forte manda. A gente que se vire.”
A marisqueira Jaciele, com 12 anos de mangue, complementa:
“Minha família toda vive da pesca. E até agora não chegou ninguém — político nenhum veio resolver nada. Tá afetando na comida, na renda, em tudo.”
As vozes femininas do mangue
A tradição feminina da pesca artesanal é a alma da Rua da Palha. O artigo “Rua da Palha e suas marisqueiras quilombolas: o feminino, ritual, cultura e educação” (Feldens et al.) descreve essas mulheres como “mães, chefes de família e guardiãs da sabedoria dos manguezais”, que transmitem oralmente os saberes da mariscagem, da coleta do aratu e da leitura das marés.
Maria José dos Santos, 53 anos, representa essa força:
“Pesco desde os 11 anos. Hoje, o rio fede, o mangue tem limo, os bichos morrem. Ninguém dá explicação. Nosso rio tá esquecido.”
E Dona Zefa, 72 anos, resume a dor em poucas palavras:
“Nunca vi esse rio poluído. Tá triste. O que era azul virou lama.”
O retrato da destruição
Três Gerações Maria José Filha de dona Zefa e a neta Mariana
“Durante a apuração, o Vozes365 em parceria com a istoÉ Aracaju acompanhamos os pescadores em um barco até o Rio Piauitinga, para registrar os pontos onde a pesca se tornou impossível.”
As imagens revelam manguezais cobertos de resíduos, águas turvas e peixes mortos, incluindo o baiacu, conhecido como o peixe mais resistente do estuário.
“Enquanto o barco era remado, as margens mostravam o retrato da destruição. O baiacu, símbolo da resistência, agora boiava morto. Um sinal de que algo grave está acontecendo.”
Silêncio e resistência
As quatro comunidades visitadas — Porto D’Areia, Crasto, Santa Luzia e Rua da Palha — foram unânimes:
Não há presença de nenhuma autoridade pública, nem imprensa local ou representantes políticos apresentando soluções concretas.
A ausência do poder público é uma constante.
“A gente tá esquecido”, repete Maria José. “Do Crasto pra cá, não tem mais nada.”
Entre a lama e a memória
“Do alto, o rio parece calmo, mas é o silêncio de quem tá doente.
Cada curva desse mangue guarda a lembrança de quem já viveu da pesca e agora luta pra sobreviver do que sobrou.”
“O que era berço de vida virou depósito de descaso.
Essas comunidades — pescadores, marisqueiras, ribeirinhos — sustentam uma tradição que o país insiste em ignorar.
O rio agoniza, e o que fica é a pergunta: até quando a vida de quem alimenta o Brasil vai seguir invisível?”
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