O Rio que Parou de Respirar: Pescadores da Rua da Palha em Santa Luzia Denunciam a Poluição dos Rios Piauí e Piauitinga​

Pescadores e marisqueiras da Comunidade Quilombola Rua da Palha denunciam a poluição dos rios Piauí e Piauitinga, que ameaça a sobrevivência de suas tradições e meios de vida.

De
Pesquisador Paulo Marcelo
Jornalista, Intelectual Público, Pesquisador, Comunicador, Fotógrafo, Professor, Palestrante, Designer e Busólogo.
Poluição dos rios Piauí e Piauitinga

Em Santa Luzia do Itanhy, no sul de Sergipe, a Comunidade Quilombola Rua da Palha enfrenta o colapso ambiental que ameaça a pesca artesanal e a herança cultural das marisqueiras — mulheres que há gerações sustentam famílias e tradições à beira do mangue.

No sul do estado de Sergipe, a cerca de 70 quilômetros de Aracaju, encontra-se a Comunidade Quilombola Rua da Palha, parte do Território Quilombola Luziense, reconhecido desde 2008 e formado por oito comunidades tradicionais, entre elas Crasto, Pedra Furada e Bode. Localizada às margens dos rios Piauí e Piauitinga, a Rua da Palha abriga cerca de mil pescadores e marisqueiras que vivem da pesca artesanal e do extrativismo de crustáceos — práticas transmitidas por gerações, guiadas pelos ritmos da maré, pelos cânticos femininos e pelos saberes do mangue.

Essas mulheres e homens compõem um dos núcleos mais antigos de resistência cultural do estado. O território, conhecido por suas cantadoras de aratu, preserva uma ritualística única: mulheres que mergulham na lama até os joelhos, entoando cânticos tradicionais para atrair os crustáceos.

Mas o que antes era símbolo de fartura e identidade, hoje é sinônimo de desespero.

O rio que adoeceu

Após registrar denúncias em Porto D’Areia, em Estância, o Vozes365 junto com o  seguiu até Rua da Palha para apurar uma nova denúncia — agora sobre a poluição que vem matando peixes, siris, aratus e ostras.

Ao chegar à comunidade, a equipe ouviu relatos uníssonos: as águas estão impróprias para a pesca, e nenhuma autoridade apareceu com proposta de solução.

“A água aqui onde nós mora mesmo não pesca mais. Os siris tão saindo pra fora, morrendo na lama. O aratu sumiu, o peixe morreu. O povo nem quer mais o nosso marisco.”

A fala de uma moradora resume o sentimento coletivo. O rio que por décadas alimentou famílias agora devolve morte, odor e incerteza.

“A gente só quer poder trabalhar”

  • O pescador Luizão, com 35 anos de ofício, conta que a renda despencou:
  • “Antes dava pra tirar 400 reais por semana. Hoje, trabalha cinco dias pra ganhar 100. A gente vive só da pesca, não tem carteira, não tem emprego. Tá todo mundo afetado.”

O veterano Nininho, nascido e criado no mangue, reforça:

  • “Tenho 60 anos de pesca. Nunca vi uma coisa dessas. O Ibama veio, filmou peixe morto, e nada aconteceu. O pescador é pobre, e quem é forte manda. A gente que se vire.”

A marisqueira Jaciele, com 12 anos de mangue, complementa:

  • “Minha família toda vive da pesca. E até agora não chegou ninguém — político nenhum veio resolver nada. Tá afetando na comida, na renda, em tudo.”
Poluição dos rios Piauí e Piauitinga

As vozes femininas do mangue

A tradição feminina da pesca artesanal é a alma da Rua da Palha. O artigo “Rua da Palha e suas marisqueiras quilombolas: o feminino, ritual, cultura e educação” (Feldens et al.) descreve essas mulheres como “mães, chefes de família e guardiãs da sabedoria dos manguezais”, que transmitem oralmente os saberes da mariscagem, da coleta do aratu e da leitura das marés.

Maria José dos Santos, 53 anos, representa essa força:

Poluição dos rios Piauí e Piauitinga
  • “Pesco desde os 11 anos. Hoje, o rio fede, o mangue tem limo, os bichos morrem. Ninguém dá explicação. Nosso rio tá esquecido.”

E Dona Zefa, 72 anos, resume a dor em poucas palavras:

“Nunca vi esse rio poluído. Tá triste. O que era azul virou lama.”

O retrato da destruição

Poluição dos rios Piauí e Piauitinga
Três Gerações Maria José Filha de dona Zefa e a neta Mariana

“Durante a apuração, o Vozes365 em parceria com a istoÉ Aracaju acompanhamos os pescadores em um barco até o Rio Piauitinga, para registrar os pontos onde a pesca se tornou impossível.”

As imagens revelam manguezais cobertos de resíduos, águas turvas e peixes mortos, incluindo o baiacu, conhecido como o peixe mais resistente do estuário.

“Enquanto o barco era remado, as margens mostravam o retrato da destruição. O baiacu, símbolo da resistência, agora boiava morto. Um sinal de que algo grave está acontecendo.”

Silêncio e resistência

As quatro comunidades visitadas — Porto D’Areia, Crasto, Santa Luzia e Rua da Palha — foram unânimes:

Não há presença de nenhuma autoridade pública, nem imprensa local ou representantes políticos apresentando soluções concretas.

A ausência do poder público é uma constante.

“A gente tá esquecido”, repete Maria José. “Do Crasto pra cá, não tem mais nada.”

Entre a lama e a memória

“Do alto, o rio parece calmo, mas é o silêncio de quem tá doente.

Cada curva desse mangue guarda a lembrança de quem já viveu da pesca e agora luta pra sobreviver do que sobrou.”

“O que era berço de vida virou depósito de descaso.

Essas comunidades — pescadores, marisqueiras, ribeirinhos — sustentam uma tradição que o país insiste em ignorar.

O rio agoniza, e o que fica é a pergunta: até quando a vida de quem alimenta o Brasil vai seguir invisível?”

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