A política brasileira carrega uma marca que atravessa séculos: o poder concentrado nas mãos das mesmas famílias. Não se trata apenas de influência ou tradição; trata-se de uma estrutura histórica que transforma cargos públicos em herança, transmitida como parte do patrimônio familiar.
Um dos exemplos mais emblemáticos é o da família Andrada, que ocupa espaços de poder desde o período do Império, passando por ministros de Dom Pedro I até representantes atuais no Congresso. Mais de duzentos anos de continuidade que mostram como a política, para algumas linhagens, é quase um direito de nascença.
Esse fenômeno se repete em diversas regiões do país. No Maranhão, a família Sarney consolidou uma verdadeira dinastia política. José Sarney foi presidente, senador e figura dominante na cena nacional por décadas. Seus filhos e netos ocuparam posições estratégicas, como o governo estadual e assentos no Congresso. A origem do clã remonta ainda ao período colonial, reforçando como a história da família se confunde com a própria história do mandonismo no Brasil.
Em Alagoas, os Calheiros construíram um império político com atuação contínua em diferentes frentes: Renan Calheiros, seu filho Renan Filho e outros membros do grupo familiar ocupam cargos que vão de prefeituras ao Senado e ao Ministério dos Transportes. A permanência dessas figuras em posições de destaque revela um ciclo que se renova internamente, sem dar espaço a novas vozes.
Na Bahia, a hegemonia dos Magalhães se estende por décadas, passando por governos estaduais, prefeituras e pela própria comunicação. O clã controla um dos maiores conglomerados de mídia do estado, a Rede Bahia, afiliada à Globo. Com isso, o grupo domina não apenas a esfera política, mas também parte significativa da narrativa pública — o que torna ainda mais estreita a fronteira entre poder político e poder midiático.
Em Pernambuco, a política se estrutura em torno de duas linhagens: Arraes e Campos. Miguel Arraes, Eduardo Campos e João Campos representam gerações que alternam entre ocupar o governo estadual, o Congresso ou a prefeitura do Recife. A disputa interna entre parentes nas últimas eleições expõe como até mesmo a “competição democrática” opera dentro de um círculo fechado.
Esses casos — entre tantos outros — mostram um padrão que se repete de Norte a Sul: o sobrenome funciona como capital político. Herança eleitoral. Porta de entrada automática para o poder. Enquanto isso, para a maioria da população brasileira, o acesso ao topo da máquina pública é praticamente inacessível.
E esse é o ponto central: nessa lógica, quase nunca veremos um pobre, um trabalhador, uma mulher da periferia ou uma pessoa preta ocupando o poder com a mesma facilidade. Não porque faltem capacidade, preparo ou vontade — mas porque a estrutura não foi feita para permitir isso.
A política brasileira funciona como um sistema fechado, onde poucos têm a chave. Para quem está fora das famílias tradicionais, o caminho até os espaços de decisão é cheio de barreiras invisíveis e visíveis: falta de recursos, ausência de redes de influência, discriminação racial, desigualdade de gênero, violência política, falta de financiamento e a própria cultura que naturaliza que “quem manda” tem sempre o mesmo perfil.
Enquanto isso, a população é incentivada a acreditar que o voto é o ápice da democracia, quando muitas vezes ele funciona apenas como uma camada de verniz. Um discurso que vende participação, mas esconde o fato de que o poder real permanece nas mãos de poucos. A narrativa democrática muitas vezes mascara o óbvio: quem governa o Brasil, historicamente, não é o povo, e sim quem carrega dinheiro, influência e um sobrenome que abre portas.
Por isso, antes de repetirmos slogans sobre “igualdade de oportunidades”, é preciso reconhecer o que a história e a realidade mostram diariamente:
a democracia brasileira continua limitada por uma estrutura hereditária de poder.
E essa constatação levanta uma pergunta incômoda, mas necessária:
estamos vivendo uma democracia de fato — ou apenas uma grande árvore genealógica com cargos públicos transmitidos de geração em geração, enquanto o povo assiste de longe acreditando que está participando?

