Vivemos para ser avaliados?

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Dra. Eleonora Vaccarezza - Psicóloga
Dra. Eleonora Vaccarezza, PhD em Psicologia, é professora, pesquisadora e palestrante especializada em Racismo, Subjetividades e Saúde Mental. Com uma vasta experiência, ela compartilha seus conhecimentos...

Antes de escolher o almoço, você checa a nota do restaurante. Antes de viajar, confere a avaliação do motorista. Ao contratar alguém, busca referências e comentários. O curioso é que, sem perceber, também passamos a esperar ser avaliados o tempo todo.

Vivemos um tempo em que a vida parece se resumir a estrelas, corações e curtidas. Cada gesto, cada escolha, cada palavra está sujeita à aprovação ou mesmo, à reprovação — dos outros. O que será que essa cultura da nota e da validação constante diz sobre nós? Será que ainda escolhemos o que realmente queremos, ou apenas o que o coletivo já aprovou?

Foi com essa provocação que o Vozes365 chegou às ruas de Aracaju. No primeiro episódio, “A Fada das Estrelinhas”, conversamos com pessoas no centro de Aracaju sobre o poder das avaliações e o comportamento de manada. E o que ouvimos foi revelador: quase todas as pessoas disseram confiar nas avaliações para decidir o que consumir, onde ir, o que assistir e, em alguns casos, até com quem se relacionar.

A psicologia das avaliações

Na Psicologia Social, esse fenômeno é conhecido como comportamento de manada, uma a tendência humana de seguir o grupo como forma de se proteger de erros ou exclusão. Ao ver que muitos aprovaram algo, concluímos que aquilo deve ser bom. E quando poucos aprovaram, evitamos, com medo de nos arrependermos.

É aí que há um efeito mais profundo: o da validação social. Cada curtida ou estrela recebida ativa no cérebro uma pequena dose de dopamina — o neurotransmissor do prazer — criando um ciclo de dependência da aprovação externa. A experiência deixa de ser vivida para ser validada.

O psicólogo Serge Moscovici, em sua Teoria das Representações Sociais, dizia que o saber é uma construção coletiva: compartilhamos ideias e julgamentos que passam a compor a visão de mundo de um grupo. A mesma lógica vale para as avaliações digitais. Quando avaliamos algo, estamos também reproduzindo o olhar social sobre aquilo.

Quando o julgamento sai das telas

Em Aracaju, basta caminhar pelas ruas do Centro para perceber: o julgamento não acontece só nos aplicativos. Ele está nos olhares, nos gestos e até no modo como nos apresentamos. O mundo virou uma vitrine de impressões, e, sem perceber, começamos a medir a nós mesmos pelos critérios que medem produtos.

Durante as gravações, um senhor me disse:

Se um lugar tem nota baixa, nem entro. Mas às vezes é ali que mora a melhor experiência.”

Essa fala ficou ecoando em mim. Já se questionou sobre quantas boas experiências deixamos de viver porque o número de estrelinhas não nos convenceu?

Para além das notas

Nós vivemos em uma época em que tudo exige aprovação; entretanto, talvez o maior gesto de coragem hoje seja escolher sem esperar estrelinhas. Além disso, a experiência que realmente transforma não é necessariamente a mais popular, mas sim a mais autêntica.

O Vozes365 nasceu dessa crença: de que ouvir o outro é um ato político e poético. Ir às ruas é romper a bolha das avaliações, é lembrar que a teoria nasce da vida e que a vida também é um laboratório de saberes.

Reforçando o que nos lembra Moscovici, o conhecimento é construído coletivamente, e é nessa construção que a generosidade e o desejo de transformar realidades se fortalecem.

Por fim, deixo uma pergunta que ecoa nas vozes que encontrei:

E se, por um dia, ninguém pudesse te avaliar… você continuaria sendo quem é?

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Dra. Eleonora Vaccarezza, PhD em Psicologia, é professora, pesquisadora e palestrante especializada em Racismo, Subjetividades e Saúde Mental. Com uma vasta experiência, ela compartilha seus conhecimentos sobre temas fundamentais para a sociedade contemporânea.