O Mangue da 13 de Julho: Uma História de Interferência Humana e Consequências Amargas

Especialista esclarece que a mortandade do mangue na 13 de Julho é resultado de décadas de intervenções humanas e obras mal planejadas, e não de uma “invasão” da natureza.

De
Pesquisador Paulo Marcelo
Jornalista, Intelectual Público, Pesquisador, Comunicador, Fotógrafo, Professor, Palestrante, Designer e Busólogo.

Especialista explica que o problema não é o mangue “invadir” a cidade, mas sim uma série de ações humanas que alteraram o ambiente natural, criando as condições para a situação atual.

A paisagem do bairro 13 de Julho, em Aracaju, tem sido palco de um debate intenso. O avanço do manguezal e, mais recentemente, a mortandade de parte dessa vegetação, levantou questionamentos sobre o que realmente está acontecendo. Para entender a raiz do problema, conversamos com a Dra. Myrna Landim, mestre em Ecologia e doutora em Recursos Naturais.

A explicação, segundo a especialista, é um processo complexo que se desenhou ao longo de décadas, e a culpa não é do mangue, mas de uma sucessão de intervenções humanas no ambiente.

  1. A Transformação Natural: De Praia Arenosa a Área Lamosa
    Ao contrário do que muitos pensam, a região nem sempre foi de mangue. “Realmente era uma praia arenosa, uma praia de banho da população de Aracaju, a Praia Formosa”, explica Myrna.

No entanto, a costa é uma área dinâmica. Há algumas décadas, a abertura de uma nova foz do Rio Sergipe redirecionou o fluxo principal de água para outra região. A antiga foz, próxima aos arcos da orla, começou a receber um volume menor de água.

Fluxo Rápido (Antes): Com a água passando rapidamente, apenas partículas pesadas, como a areia, se depositavam, mantendo a característica de praia.

Fluxo Lento (Depois): Com a redução da velocidade da água, partículas mais leves, como a lama, conseguiram se depositar. “Formando bancos de lama, né, e praias lamosas”, detalha a ecóloga.

Foi nesse novo ambiente, lamoso e de menor energia, que os propágulos (“sementes”) do mangue encontraram as condições ideais para se estabelecer e colonizar a área. “O mangue não invadiu a Praia Formosa. A mudança na dinâmica da sedimentação… fez com que as condições ambientais mudassem”.

  1. O “Adubo” Contaminado: O Papel do Esgoto
    Outro fator crucial foi a ação direta da urbanização. Myrna Landim explica que os canais de maré que cortam vários bairros foram, originalmente, canais de drenagem natural das áreas de mangue.

Com a expansão da cidade, esses manguezais foram aterrados para a especulação imobiliária, e os canais foram transformados em vias de drenagem de água da chuva. O problema é que, paralelamente, “muitas pessoas ligaram os seus esgotos para esses canais. Então, ao invés de ser um canal de drenagem… ele se tornou um canal de esgoto”.

Esse esgoto que desemboca na região da 13 de Julho trouxe um “toque extra”: uma enorme carga de matéria orgânica. “Esse excesso… só facilitou o crescimento do mangue. Então, o mangue ele é inocente, a culpa é nossa”, enfatiza a especialista.

  1. A Obra que Agravou o Problema: O Calçadão e os Espigões
    Myrna aponta uma intervenção mais recente como um grande agravante: a construção do calçadão da Praia Formosa com seu aterro e espigões. A justificativa era conter um suposto processo erosivo, mas a especialista contesta.

Ela argumenta que a região, na verdade, estava em processo de sedimentação, não de erosão. A obra, feita sem os devidos estudos ambientais de forma transparente, piorou a situação.

“Ao fazer essa obra… a gente só aumentou o processo de sedimentação, porque a gente fez um aterro e jogou espigões”. Essas estruturas retêm ainda mais os sedimentos, criando uma barreira física.

E é essa barreira a causa direta da mortandade recente do mangue na região.

“[Com essas barreiras} a água da maré não escoa naturalmente… então essa mudança… fez com que… a água da maré acumulasse permanentemente e, consequentemente, as raízes apodreceram porque elas não estão tendo momentos de troca gasosa”. A Dra. Myrna faz uma analogia: “É que nem quando você tem uma planta em casa e você encharca… ela pode morrer… por excesso [de água]”.

Impactos na Saúde e na Economia
A degradação do mangue vai além da paisagem. Myrna Landim alerta para os riscos à saúde e à economia local:

Função Ecológica: Os manguezais são berçários naturais para espécies de interesse econômico, como camarões e peixes. Sua destruição compromete também estoques pesqueiros.

Alimentação Contaminada: O esgoto que “aduba” o mangue contamina os mariscos e crustáceos com coliformes fecais e, no caso de esgoto industrial, possivelmente metais pesados. “A ostra que você coleta nesses locais… vai estar contaminada”, alerta.

“Democracia Alimentar”: O mangue é um patrimônio público, onde muitas pessoas têm acesso fácil e gratuito a uma fonte de proteína. A perda desse ambiente é também uma questão social.

Há Solução?
Para a especialista, a solução é técnica, mas depende de vontade política e gestão.

“Se você garantir, tirar aquela barreira que tá impedindo a descida da água da maré, você vai permitir que a água escoe”. Ela é taxativa ao dizer que não adianta apenas plantar mudas de mangue ou usar bombas para retirar a água. É necessário somente restaurar a dinâmica natural da maré. Isso por que, com a livre circulação da água da maré, virão também os “propágulos” de espécies de mangue, que poderão ali se instalar, colonizando a região de forma natural e gratuita.

Além disso, é fundamental:

Saneamento Básico: Coletar e tratar o esgoto que hoje é despejado nos canais.

Fiscalização: Coibir aterros e ocupações irregulares em áreas de manguezal.

Transparência: Exigir licenciamento ambiental rigoroso para obras na orla.

Educação Ambiental: Compreender a importância do mangue e os limites da ocupação urbana.

Conclusão
A situação do mangue da 13 de Julho é um retrato de como a falta de planejamento urbano integrado ao meio ambiente gera problemas complexos e caros. Não se trata de uma guerra contra o mangue, mas de um alerta sobre a necessidade de respeitar os ecossistemas costeiros. Como resume Myrna Landim, “a Aracaju do futuro não pode repetir os erros do passado”. O preço, pago com a saúde da população e com o dinheiro público, já está sendo cobrado.

manguezal da 13 de Julho
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Jornalista, Intelectual Público, Pesquisador, Comunicador, Fotógrafo, Professor, Palestrante, Designer e Busólogo.