Comportamento do consumidor no Natal: desejo, necessidade e influência social

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Dra. Eleonora Vaccarezza - Psicóloga
Dra. Eleonora Vaccarezza é psicóloga social (CRP192276) e pesquisadora das relações entre tecnologia, racismo algorítmico e afetos digitais. Colunista do Istoé Aracaju e integrante do podcast...

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Uma análise da Psicologia Social sobre como desejos, algoritmos e comportamento de manada influenciam nossas escolhas no fim do ano.

À medida que o ano chega ao fim, o comportamento do consumidor e a influência social se tornam ainda mais visíveis. Lojas cheias, propagandas emocionais e uma narrativa recorrente: “você merece”. Mas, por trás do aumento nas compras, uma pergunta precisa ser feita: o que, de fato, estamos tentando saciar?

A provocação cantada por Barão Vermelho, afinal, “você tem fome de quê?”, é essa estrofe da música que nos convida a refletir sobre um fenômeno amplamente estudado pela Psicologia Social: nem todo desejo nasce no indivíduo. Muitos deles são construídos socialmente, mediados pela publicidade, reforçados pelas redes sociais e legitimados pelo comportamento do grupo.

Do ponto de vista da Psicologia do Consumo, desejos não surgem de forma espontânea ou isolada. Eles são moldados por contextos sociais, expectativas coletivas e mecanismos de comparação. Aquilo que frequentemente chamamos de “vontade pessoal” pode ser resultado de influência social, um processo no qual ajustamos nossas escolhas para nos adequar ao grupo, evitar exclusões ou alcançar reconhecimento.

O mercado compreendeu isso com precisão. Hoje, não se vendem apenas produtos, mas experiências simbólicas: pertencimento, status, aceitação, alívio emocional. O consumo passa a ocupar o lugar de respostas para demandas que são, muitas vezes, emocionais e sociais, e não apenas materiais.

Quando o algoritmo sabe mais sobre nós do que nós mesmos

Nos últimos anos, esse processo de influência social ganhou um aliado poderoso: os algoritmos. Plataformas digitais aprendem rapidamente nossos hábitos, horários, fragilidades emocionais e padrões de consumo. Sabem quando estamos mais cansados, mais ansiosos ou mais propensos a comprar e muitas vezes, antes mesmo de termos consciência disso.

Influência social no consumo

O que aparece na tela não é aleatório. É resultado de cálculos precisos baseados em cliques, tempo de permanência, buscas e interações. Assim, desejos são continuamente reforçados, necessidades são artificialmente criadas e vontades passam a parecer urgentes. O algoritmo não apenas sugere e sim, ele antecipa, induz e normaliza escolhas.

Do ponto de vista da Psicologia Social e da cognição social, isso aprofunda um fenômeno preocupante: quando decisões individuais são guiadas por sistemas que conhecem nossas vulnerabilidades melhor do que nós mesmos, a sensação de escolha livre se torna cada vez mais ilusória. O consumo deixa de ser apenas socialmente influenciado e passa a ser tecnologicamente direcionado.

Em períodos de alta pressão social, como festas de fim de ano, o chamado comportamento de manada se intensifica. Comprar deixa de ser apenas uma decisão individual e passa a funcionar como um marcador social: quem compra pertence; quem não compra, se explica.

A lógica é simples, porém muito potente: se todos desejam, parece legítimo desejar também. Se todos compram, logo, parece errado não comprar. Esse mecanismo reduz a sensação de risco individual, mas amplia decisões pouco refletidas, inclusive financeiramente.

O resultado é conhecido: famílias endividadas, frustração pós-consumo e a sensação de que, apesar de tudo, algo continua faltando.

Fomes que o consumo não sacia

A Psicologia Social chama atenção para um ponto central: existem fomes que não são de comida. O consumo tenta responder a carências de reconhecimento, pertencimento, descanso e sentido, demandas legítimas, mas que não se resolvem no caixa.

O problema não está em desejar, nem em consumir, mas em naturalizar a ideia de que o consumo é a principal via de satisfação emocional. Quando isso ocorre, o mercado se torna especialista em explorar vulnerabilidades humanas, transformando ansiedade em oportunidade e insegurança em produto.

Refletir não é negar o consumo

Questionar o consumo não significa moralizar escolhas individuais. Trata-se de compreender como elas são influenciadas socialmente e quais interesses operam na construção dos nossos desejos.

Perguntar “de onde vem essa vontade?” é um exercício de autonomia. Diferenciar necessidade de desejo socialmente induzido é um passo importante para escolhas mais consciente, sobretudo, no uso do próprio dinheiro e da própria energia.

Considerações finais

No encerramento de mais um ano, talvez a reflexão mais urgente não seja sobre o que comprar, mas sobre o que realmente precisamos alimentar. Nem toda fome é nossa. Nem toda sede nasceu em nós. E reconhecer isso pode ser um gesto simples, mas potente, de cuidado individual e coletivo.

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Dra. Eleonora Vaccarezza é psicóloga social (CRP192276) e pesquisadora das relações entre tecnologia, racismo algorítmico e afetos digitais. Colunista do Istoé Aracaju e integrante do podcast Vozes365, atua na interface entre IA, corpo, saúde mental e vínculos contemporâneos. 📧 [email protected]| IG: @dra.eleonoravaccarezza.