Combate ao Crime com Métodos Criminosos: A Contradição que Virou Política de Estado

Como a "segurança pública" é medida em números de mortos, e a "paz" é conquistada pelo terror.

De
Pesquisador Paulo Marcelo
Jornalista, Intelectual Público, Pesquisador, Comunicador, Fotógrafo, Professor, Palestrante, Designer e Busólogo.

Dezenas de pessoas morreram no Rio de Janeiro. Policiais e civis. Brasileiros. Famílias perderam filhos, pais, irmãos. No rastro da operação que deixou mais de 120 mortos, governadores se reuniram para chamar isso de “sucesso”. Sucesso uma operação que resulta em um cemitério a céu aberto? Sucesso é empurrar jovens para a mata para serem “destroçados” em uma emboscada?

A tragédia, no entanto, não está confinada ao território da favela — ela se espalha na alma social. Basta entrar nos comentários nas redes sociais para ver: em vez de luto, deboche. Em vez de reflexão, torcida por mais violência. Como se matar resolvesse o que o Estado historicamente se recusa a enfrentar: a desigualdade brutal, o abandono secular e a ausência de um projeto civilizatório que inclua todos.

A Lógica do Extermínio como Espetáculo

Há uma mentalidade perversa em ação, uma que acredita que “bandido bom é bandido morto”. Essa não é uma filosofia de segurança pública; é a confissão de uma falência. O Estado, que não pode ser bandido, adota métodos bandidescos. A pergunta crucial é ignorada: por que não se cerca o problema pela raiz? Por que não há operações de inteligência nos portos e aeroportos, por onde as armas de alto calibre entram, descendo as baías em canoas com a conivência de autoridades “compradas”, como relatado por chefes do tráfico?

A resposta é que é mais fácil e espetaculoso tocar o terror dentro da favela. O treinamento das forças de segurança, como bem ilustrado, não é para a paz ou a mediação, mas para o conflito. “Qual é a tua missão? É entrar na favela e deixar corpo no chão.” Esse não é um treinamento para proteger, mas para exterminar. E o que atrai esse tipo de procedimento? Gente doente, sádica, que quer ir para o combate. O resultado não é segurança pública; é insegurança institucionalizada, uma ameaça direta à população da base.

A Farsa da Guerra e a Indústria do Crime

Essa guerra não resolve nada porque é contra a própria lógica do crime. Se morrem 120, surgirão outros 120 no lugar. De onde vem tanta mão de obra? De uma sociedade que nega direitos básicos. A favela, solução encontrada pelos pobres para morar, é tratada com peia, pau e violência. Onde o Estado não chega com escola, saneamento, cultura e cidadania, chega apenas com o fuzil.

O crime organizado são, na verdade, empresas que disputam espaço. A cabeça não está no morro; está na elite, falando línguas, mexendo com o mercado financeiro, utilizando o sistema internacional para lavar dinheiro e pagar por armas e drogas. O pobre, o preto, o periférico é a mão de obra descartável, a “barata” que morre igual mosca na mão da polícia – e os policiais, também treinados para a morte, se tornam vítimas de uma engrenagem que os supera.

A Falência da Empatia e a Torcida pela Morte

É nesse cenário que surge uma nova linha automática de defesa moral nas redes: “E os quatro policiais?”. Como se um sofrimento precisasse anular o outro. Como se vidas fossem fichas de aposta política. Como se a empatia fosse um luxo, e não o valor mínimo de convivência.

Aplaudir a morte não é desejo de ordem — é confissão de falência emocional e social. O ódio virou argumento. A vingança virou patriotismo. E a incapacidade de sentir dor pelo outro virou virtude pública. O que esses comentários revelam não é força, mas medo, ressentimento e um país que perdeu a capacidade de enxergar o próximo como parte de si.

Não se trata de defender criminosos. Trata-se de defender uma humanidade mínima. Uma sociedade que comemora caixões não está combatendo o crime; está reproduzindo a mesma lógica brutal que diz condenar. Está dizendo que a vida do “outro” não vale nada.

O Caminho (Não) Seguido

O crime não se combate apenas com bala; se resolve com inteligência, se entende com sociologia, se evita com justiça social. Enquanto o Estado for conivente com as raízes do crime instaladas em suas próprias estruturas, e enquanto a sociedade aceitar que a violência seja a única linguagem para com os mais pobres, estaremos apenas alimentando o ciclo.

A solução passa por arrancar as raízes do crime de dentro da sociedade, o que significa devolver àquela população os direitos roubados que estão na Constituição. Significa criar cidadania onde hoje só há clientela para o tráfico ou alvo para a polícia.

Até lá, continuaremos a colher os frutos amargos de uma guerra que não é nossa, mas cujas baixas somos nós mesmos, de uniforme ou de shorts, enterrados no mesmo solo de um país que insiste em se autodestruir.

Curtiu? Fique por dentro das principais notícias através do nosso ZAP

📲 Siga o Canal no WhatsApp
Siga também nosso Instagram: 📸 @istoearacaju
Compartilhe esta notícia
Jornalista, Intelectual Público, Pesquisador, Comunicador, Fotógrafo, Professor, Palestrante, Designer e Busólogo.