Você está aí e eu estou aqui. E tudo que parece distância impossível, ou tudo que o tempo julga insondável, nada é. Somos poeira das mesmas estrelas. Viemos do lugar para onde vamos. E estamos juntos neste caminho. Estamos perdidos num universo desconexo e, mesmo assim, nos esforçamos para tentar entendê-lo.
Cumprimos mandamentos, recitamos poemas, seguimos doutrinas, cultuamos nossos Deuses, pagamos nossos impostos, pagamos nossas penitências, seguimos nossos rituais, usamos um relógio que marca o mesmo tempo que um dia inventamos.
Construímos grandes castelos e dissolvemos majestosos impérios. E não desistimos de erguer o que não conseguimos carregar. Sustentamos uma pele que habita nossos corpos. Precisamos tanger um cérebro que domina nossas escolhas. Somos racionais, somos emocionais, somos sensoriais, somos desprovidos de sentido, somos feras, somos bestas, somos Oráculos.
Contamos os dias, contamos dinheiro, contamos as estrelas, contamos histórias e contamos com a sorte. Recorremos às Artes, orações, curandeiros, remédios e ofícios para a ampulheta do tempo escorrer devagar. Sentimos o gosto da mesma água desde o princípio do mundo. A lágrima que eclode em todos os olhos tem o mesmo gosto do mar. Nos alimentamos de quase tudo, inclusive comida. Permanecemos insaciáveis.
Encaramos as horas desprovidos de medo. As implacáveis horas. Aquelas, sorrateiras, que tiram tudo de um instante para o outro.
Observamos contemplativos todos os amanhãs que nos consomem, olhamos as luas e as marés com parcimônia. Escurecemos nossos dias e iluminamos nossas noites. Criamos o fogo. Queimamos a nossa pele com o mesmo sol, assim como molhamos nosso corpo com os mesmos oceanos azuis desde o princípio dos tempos. O sol e o mar, juntamente com os céus, testemunhas de tudo que orbita em nossas esferas. Presentes na nossa chegada e presentes na nossa partida. Servis democráticos das nossas existências. Reinam absolutos no mundo e, graças a eles, a nossa vida é possível.
Enfrentamos grandes monstros, perdemos e ganhamos batalhas em epopeias sem sentido que insistimos em perpetuar.
Criamos milhares de línguas com alfabetos diferentes, tornamos o latim, o aramaico e o sânscrito obsoletos. Ganhamos palavras, perdemos significados. Deciframos códigos numéricos, não compreendemos nada além da nossa própria voz.
Decretamos grandes guerras. Guerras de mundos e guerras pessoais. Somos derrotados sempre por nós mesmos. Somos ditadores, somos reis, somos súditos, somos escravos e somos miseráveis. As vezes ao mesmo tempo.
Sentimos a cruel influência do tempo em nossas peles. Entramos em labirintos sem saída, saímos mais cansados, mais fracos e mais selvagens. Nossos instintos básicos e primitivos nos governam, nossa barbárie emerge em nossas jornadas e seguimos o insustentável rumo imposto pelo destino dos nossos ancestrais. Pensamos que organizamos o mundo para nossos descendentes, mas somos regidos por aqueles que jazem em nossas limitadas consciências.
Reconhecemos na natureza as nossas belezas, aprendemos a apreciar a grandiosidade dos céus e a vastidão dos mares. Somos a única espécie que chora diante da beleza.
Somos fantasmas invisíveis do futuro.
Experimentamos, em vida, o Paraíso e o Inferno – numa samsara sem fim.
Concebemos milagres, acatamos maldições e perecemos nossos corpos e nossas memórias em um sono que insistimos em sucumbir.
Estabelecemos vínculos improváveis com pessoas impossíveis.
Guardamos, em segredo, um vazio infinito dentro de nós. Buscamos preenchê-lo. Nosso vazio não tem nome e não tem forma. Nosso vazio não tem fim.
Nossa força se revela quase inabalável quando embalamos berços e carregamos nossos mortos.
A morte parece a mais antinatural ordem do universo.
Nascemos sozinhos e partiremos da mesma forma.
Eu e você, sem combinar nada, pensamos, sentimos e dizemos as mesmas coisas.
Isso é ser humano.
Por Fernanda van der Laan
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